sexta-feira, 23 de março de 2012

OS TRÊS OBSTÁCULOS DE UM PROFESSOR DE YOGA - por JOÃO MAZZA

Na minha experiência de mais de 30 anos de aluno de Yoga, conheci muitos professores e professoras de Yoga. Com eles aprendi coisas importantes para minha prática e para minha vida.
O professor de Yoga deve ter em mente que sua profissão tem dois aspectos. Por um lado é uma prestação de serviço como outra qualquer, mas por outro lado tem uma responsabilidade adicional, pois o aluno tende a considerar o professor de Yoga como um modelo a ser seguido, ainda que inconscientemente.
Da convivência com esses professores, da observação do seu modo de ser e da forma com que perseguem seus objetivos creio que pude identificar três obstáculos que têm que ser superados para se chegar a ser um grande professor de Yoga.

Primeiro obstáculo: a armadilha

A prática das posturas e dos exercícios respiratórios levam a uma crescente consciência corporal e a um certo controle dos processos metabólicos. Um dos meus professores conheceu um Yogi que dizia parar seu coração, na verdade constatou-se que ele induzia seu coração a fibrilar com freqüência altíssima, o que numa pessoa normal levaria a morte. Há relatos de Yogis que revertem seus movimentos peristálticos, expelindo as fezes pela boca, de outros que aspiram leite pelo pênis, de outros que levitam, etc. Isto sem falar dos siddhis descritos por Patanjali.
A questão é: que benefício isso trás para o Jiva, esse ser vivente que está lutando para se libertar do samsara (o ciclo de nascimento e morte, alegria e tristeza, felicidade e sofrimento), ainda que não tenha consciência disso?
Na verdade basta se conseguir dominar uma postura difícil para se correr o risco de se achar uma pessoa especial e com isso reforçar o seu Ego. Mas o Ego, ou melhor dizendo, o ahamkara, esse sentimento de “eu faço”, “eu sou o agente da ação”, é o principal obstáculo para o Jiva se libertar da ignorância que o prende ao samsara. O ego exaltado impede que a verdadeira grandeza do Yoga se manifeste através do professor.
A maneira de evitar essa armadilha é compreender que você é apenas um instrumento do Yoga para inspirar as outras pessoas. O Yoga faz parte da criação, é um dos instrumentos que Isvara (“Aquele que governa”) colocou no mundo para que nós Jivas possamos preparar nosso corpo/mente limitado para adquirir o conhecimento que nos libertará do samsara.

Segundo obstáculo: a tentação

Algumas profissões geram uma relação de poder entre o profissional e o paciente/cliente. Tradicionalmente se menciona o médico, o padre e o professor. No caso do professor de Yoga, esse poder pode ser muito grande, dependendo do carisma do professor. A própria prática corporal facilita para que essa relação de poder se transforme em atração física. Eu já vi professores seduzindo alunas e alunas seduzindo professores. Talvez no caso de uma professora de Yoga o problema seja menor, mas o risco existe.
Eu não estou dizendo que não pode haver envolvimento emocional entre professor(a)/aluna(o). Em relação às coisas do coração, as pessoas podem ser divididas em dois grupos, as que têm consciência que não têm controle e as que se enganam. Mas nós temos a opção de controlar nossas ações, por termos um intelecto, é isso e apenas isso que nos diferencia dos animais.
O professor de Yoga tem que estar consciente dessa relação de poder e usá-la com sabedoria, para inspirar seus alunos, compreendendo que a atração é mais ao que representa do que ao indivíduo. Mas se você tropeçar, ou identificar isso num outro professor, compreenda que isso aconteceu porque você, ou ele, é somente um ser humano. Na escola da vida somos todos repetentes, inclusive os sábios que conseguiram se libertar e ainda estão vivos. Uma das maravilhas da criação é que indivíduos limitados, como todos nós somos, conseguem realizar tantas coisas belas e grandiosas. Isso acontece quando permitimos que a grandeza de Isvara se manifeste através de nós.

Terceiro obstáculo: a ironia

A ironia é que freqüentemente o professor de Yoga não tem tempo para praticar adequadamente o que ensina. A rotina das aulas, a luta pela sobrevivência, os compromissos com a família e todas as coisas que fazem parte da vida de uma pessoa normal deixam pouco tempo para você mesmo. Então, quando tem que demonstrar uma postura mais difícil para um aluno, especialmente uma que você dominava bem, você pode forçar seu corpo numa posição para a qual não está preparado naquele momento, daí vem as lesões nas articulações, os problemas de coluna, etc.
Solução: a entrega
Você se tornou um professor de Yoga porque ama o Yoga, senão escolheria uma profissão menos exigente com você mesmo. Não descuide desse amor. Mesmo quando você tem pouco tempo, nesse momento que você conseguiu separar para você mesmo se entregue ao Yoga com amor, com dedicação total, com carinho. Lembre-se de que seu corpo na verdade não lhe pertence, não há um único átomo nele que tenha sido feito por você, cada partícula de seu corpo veio da terra e voltará para ela quando não for mais útil. Na verdade seu corpo é feito de poeira de estrelas. A mesma ordem que comanda as estrelas comanda o seu corpo e todas as coisas de sua vida. A medida em que você perceber essa ordem atuar através de você e se deixar levar por ela, a grandeza do Yoga se manifestará em você, apesar das suas limitações, na medida das possibilidades desse instrumento da ordem divina que foi colocado ao seu serviço: o seu corpo/mente.


João Mazza, 64, começou a praticar Yoga em 1972 na Academia Caio Miranda no Largo do Machado, Rio de Janeiro. Atualmente pratica no Shiva Shankara em Ipanema, Rio de Janeiro. Estuda Vedanta com Gloria Arieira desde 1979.